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Jesus de Nazaré e o sistema que o condenou à morte

Essa imagem retrata o artigo que apresenta Jesus diante do sistema que o condenou a mote, Ele vai denunciar as hipocrisias, a escravidão espiritual e moral imposta ao povo.
Foto: Pinterest 


Introdução

A morte de Jesus de Nazaré, um acontecimento fundante na trajetória do cristianismo, vai além do evento de sua crucificação. Ela representou o auge de uma sequência de debates com as autoridades político-religiosas de seu tempo. Por meio de sua vida e ensinamentos, Jesus não apenas confrontou as autoridades, mas também expôs suas hipocrisias a escravidão moral e espiritual imposta ao povo; contrapondo-os Jesus promoveu um reino de amor e compaixão. O presente artigo aborda como esses fatores culminaram em sua crucificação, enfatizando os seguintes pontos: sua nova perspectiva sobre Deus; as denúncias das hipocrisias religiosas; a crítica ao sistema político; processo, condenação e morte de Jesus de Nazaré; um novo horizonte de esperanças.


Essa imagem retrata o artigo que apresenta Jesus diante do sistema que o condenou a mote, Ele vai denunciar as hipocrisias, a escravidão espiritual e moral imposta ao povo.
Foto de  Triana Hindarti


Uma Nova Perspectiva sobre Deus

Ao começar sua vida pública Jesus vai demonstrar uma nova perspectiva de Deus, diferente daquela que o poder religioso de sua época apresentava, embora essa vá causar embates. Sem fazer propaganda de seu nome, por gestos, pregação e atitudes Ele apresenta-se como Filho de Deus, e isso gera tensão pois os fariseus e escribas não podiam crer que um ser tão humano como Jesus pudesse ser tão divino; não o compreendiam como humano-divino.  Tal descrença vai levar Jesus aos “tribunais” e também à morte como veremos mais à frente. Voltemos à nova perspectiva de Deus apresentada por Jesus.  

Depois de ser batizado por João e ter se retirado ao deserto, Jesus volta para a terra habitada de Israel, como destaca Pagola (2011 p. 105), “a fim de proclamar ‘encenar’ a salvação que já é oferecida a todos com a chegada de Deus.” Agora não é mais as pessoas que precisam correr para o deserto como no tempo de João, agora Jesus com seus discípulos e os seguidores mais próximos é que percorrerá a Terra Prometida; sua vida itinerante pelos povoados da Galileia e seu entorno vai ser o melhor símbolo da chegada de Deus, que como Pai vem trazer uma vida digna para todos os seus filhos. 

Desde o início de seu ministério, Jesus trouxe uma visão radical sobre a relação entre Deus e o ser humano. O Evangelista João apresentou Jesus declarando ser Filho de Deus em resposta aos questionamentos dos judeus no pórtico de Salomão durante a festa da dedicação, onde pediram d'Ele um sinal, e a resposta dada foi: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30).

Ao narrar esse episódio, Larrañaga (1990 p. 250) aponta que “Jesus interrompendo sua errática peregrinação por toda a Judéia”, em época de abundantes chuvas, em vez de ficar do lado externo como de costume, entra no Templo e fica no pórtico de Salomão, e não demorou para que fosse interpelado pelas autoridades que não tinham perdido de vista o Mestre da Galileia em seus giros pela Judéia. Pareciam sinceros segundo Larrañaga (1990), mas nas dobras do interrogatório havia serpentes venenosas. O Nazareno percebendo a maldade responde que Ele e o Pai são uma Unidade, o que levou os judeus a pegarem pedras para jogá-las em Jesus (Jo 10,31), mas Ele escapa de suas mãos. 

É notável a tensão no diálogo entre Jesus e os judeus, que, apesar de verem as obras feitas por Ele, não creram que Ele era o Filho de Deus, mas o acusaram de blasfemo por ser humano e afirmar ser Deus. Essa declaração de Jesus indica sua filiação divina, implicando numa relação única e exclusiva como em Mateus (11,27): “Ninguém conhece o Filho, se não o Pai, e ninguém conhece o Pai, a não ser o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelar.” Essa afirmativa reflete uma consciência singular de Jesus como Filho de Deus. Essa nova perspectiva de Deus em Jesus de Nazaré fere as concepções tradicionais do Judaísmo e das autoridades religiosas, que a viam como blasfêmia e ameaça à ordem estabelecida.

Mas Jesus não parou por aí. Ofereceu um novo horizonte que enfatizava a aproximação de Deus com o ser humano, pois Ele sendo Filho de Deus, também carrega em si a condição humana, como ressalta Zahrnt (1992 p. 58): 

Concretamente, apresentou ele a escala completa dos sentimentos humanos. Alegrou-se com a vinda das crianças e dos pescadores até ele, pranteou a morte de seu amigo Lázaro, chorou pela impertinente cidade de Jerusalém, expulsou irado os mercadores e cambistas do átrio do Templo, e no Horto do Getsêmani foi tomado pelo medo de morrer.

Esse relato, demonstra que Jesus não é um emissário celeste, de vida eterna e invulnerável, que fala de Deus de cima para baixo, mas um homem repleto de vida e paixão que sempre aprende algo mais sobre Deus e por isso se mantém digno de confiança. Neste sentido, Jesus de Nazaré é o revelador de Deus, dessa forma e não de outra, somente assim tão radicalmente humano. 

Zahrnt (1992 p. 59), destaca que “o princípio e núcleo de sua nova mensagem de Deus são formados pela própria experiência de Deus por Jesus. Em sua pregação e conduta viveu profundamente sua relação pessoal com Deus.” Neste sentido todas as suas palavras e feitos se manifestam como uma grande profissão de fé que revela a humanidade o grande amor de Deus.



Essa imagem retrata o artigo que apresenta Jesus diante do sistema que o condenou a mote, Ele vai denunciar as hipocrisias, a escravidão espiritual e moral imposta ao povo.
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Denúncia das Hipocrisias Religiosas

Jesus está inserido dentro de um ambiente onde predomina o poder dos fariseus e escribas. Os fariseus queriam assegurar a fidelidade à lei que distinguia o povo de Israel dos demais, os escribas eram especialistas da Torá e responsáveis por interpretar e ensinar a lei religiosa de Israel. Além disso, tinham grande influência nas sinagogas e até mesmo em decisões judiciais. A forma como Jesus falava em nome de Deus com autoridade própria, com seus ensinamentos partindo da sua própria experiência com Deus que é Pai e está empenhado a estabelecer seu reinado em Israel, distanciando daquilo que ensinavam os mestres da lei, gera tensão com os fariseus e escribas. 

As interações de Jesus com os fariseus e outros líderes religiosos revelaram uma forte crítica às práticas e crenças da época. Ele denunciou a hipocrisia daqueles que seguiam rigidamente regras e rituais enquanto negligenciam os princípios mais profundos da justiça, compaixão e amor (Mt 23,23).

No embate de Jesus com os escribas e fariseus onde ele denuncia claramente suas hipocrisias, Larrañaga (1990 p. 207), expressa que Jesus diz: “Ai de vocês [...] que andam obsessionados e são cheios de nove-horas por causa do brilho dos pratos e copos, enquanto estão repletos de imundície por dentro. Se um dia Deus abrisse o coração de vocês sairiam cobras e escorpiões.” Jesus chama a atenção para uma vivência religiosa coerente, pautada no amor, na misericórdia e na justiça.

Num diálogo acalorado, Jesus diz que os fariseus e escribas pagam com fidelidade o dízimo das hortaliças, mas isso é insignificante porque pelas ruas eles pisoteiam a misericórdia e o amor. Larrañaga (1990) assevera que nessas mesmas ruas da cidade continua a escorrer o sangue dos profetas, para os quais eles construíram vistosos mausoléus de mármore.      

E diz Jesus: “Ai de vocês escribas e fariseus hipócritas, que se parecem com esses monumentos funerários feitos de mármore e de outros materiais preciosos, cujo esplendor deslumbra espectadores, mas que lá dentro só têm podridão, horror e carniça” (LARRAÑAGA, 1990 p. 207). Jesus, como já mencionado, é um ser radicalmente humano, mas deseja a coerência de uma vida marcada pelo amor e a misericórdia, sem cometer injustiças e opressão, e ainda sem ser indiferente com quaisquer realidades que ferem a dignidade humana. 

Mas diante da denúncia que Jesus faz contra a hipocrisia dos escribas e fariseus, pessoas notadamente de posses e prestígios, representantes da casta religiosa e de certa forma participantes indiretos na política, não deve-se interpretar que Jesus os excluía de participar de sua mensagem e de seu Reino, no entanto Jesus os confrontavam por causa da dureza de seus corações e as práticas longínquas do que Ele defendia, mas pode-se considerar que o Reino de Deus estava aberto para eles se mudassem suas práticas e suas mentalidades e acolhessem a mensagem que Jesus os transmitia. 

Reforçando este sentido, Nolan (1987 p. 88) enfatiza que “O amor de Jesus pelos pobres e oprimidos não era um amor exclusivo; era o indício de que ele valorizava a humanidade e não o status e prestígio. Os pobres e oprimidos não tinham nada que os recomendasse a não ser a sua humanidade e seus sofrimentos.” Ele também acrescenta que Jesus se importava com a classe média e alta, não que eles fossem especiais e importantes, mas porque eram pessoas. Ele almejava que se despojassem de seus falsos valores, riquezas e prestígios. Jesus queria substituir os valores do mundo, pelos valores do Reino de Deus, com destaque a dignidade da pessoa.

Jesus apresenta o Reino de Deus, uma sociedade na qual “não haverá nenhum prestígio, nenhum status, nenhuma divisão entre pessoas inferiores e superiores. Todos serão amados e respeitados, não devido à educação, à sua riqueza, a seus antepassados, à sua autoridade, categoria, virtude ou qualquer outra realização, mas porque todos são igualmente pessoas” (NOLAN, 1987 p. 89). Essa compreensão parece difícil, no entanto aqueles que nunca gozaram do status e das riquezas vão perceber que mesmo desprovidos de tais bens podem ser pessoas realizadas, e os que necessitam de alguém inferior para gerar sua superioridade, não se sentirão em casa no Reino de Deus.


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Crítica ao Sistema Político

No contexto em que Jesus viveu, segundo Colavecchio (2005), havia três símbolos que constituíam a identidade nacional: o Templo que era a casa de Yahweh (Deus), lugar sagrado onde Ele habitava na presença do povo; a Lei que era a expressão mais perfeita da vontade de Deus; a Terra que assim como os frutos dela produzidos era dom sagrado de Deus. Também é notável a rejeição aos galileus e samaritanos por parte dos judeus. Nota-se ainda um sentimento de revolta daqueles que se sentiam oprimidos, por isso surgiram grupos revolucionários, como por exemplo os zelotas. Jesus vai confrontar o poder político-religioso para demonstrar que somente a vivência das leis não é o suficiente, é preciso a abertura para o Reino de Deus, que se fundamenta no ato do amor e da misericórdia.

Jesus se sente incomodado com a maneira que o templo está sendo tratado, pois o lugar sagrado para os judeus se transformou em casa de comércio. Os sumos sacerdotes, poderosas figuras religiosas que vieram da aristocracia tradicional controlavam as imensas riquezas que vinham do Templo em forma de taxas, ofertas, doações dos sacrifícios e do comércio com os romeiros que vinham ao Templo.

Os sumo sacerdotes se interessavam em manter um bom relacionamento com o poder político romano, mantendo a ordem, pois assim as autoridades romanas permitiriam “que os líderes judeus continuassem a governar a sociedade israelita” (COLAVECCHIO, 2005 p. 41). Desse modo, enquanto o rei, o sumo sacerdote e a aristocracia demonstrassem que podiam garantir a estabilidade social, Roma deixaria que eles exercessem certo poder.

Diante dessa realidade de comercialização no Templo, acontece o famoso episódio em que Jesus expulsa os vendedores e cambistas do Templo (Mt 21,12). Essa atitude de Jesus fere seriamente o poder sacerdotal, eles vão aguardar o momento oportuno para investirem contra ele. Mas esse não foi o único motivo que deixou as autoridades insatisfeitas com Jesus, a maneira como ele tratava a Lei também mexe nas estruturas das autoridades.       

A Lei para os judeus, ressalta Pagola (2011 p. 298), era motivo de orgulho. “De acordo com sua tradição, o próprio Deus a havia apresentado ao seu povo por intermédio de Moisés. Era a melhor coisa que haviam recebido de seu Deus.” Para eles não era como um julgo ou um peso, pelo contrário, um bem precioso e imperecível. Para Jesus a lei não estava no centro de sua vida e pregação, ele não a ensinou aos seus discípulos. Todas as suas posições eram tomadas a partir de suas experiências com Deus. A chegada do reino de Deus ocupa o lugar central na vida e pregação de Jesus.

Jesus confronta as pessoas não com a lei dos fariseus e escribas, mas apresentando um Deus compassivo. Para ele não basta viver na dependência do que diz a Torá, é preciso buscar a verdadeira vontade de Deus. “O importante no Reino não é contar com pessoas observantes das leis, mas com filhos e filhas que se pareçam com Deus e procurem ser bom como ele é” (PAGOLA, 2011 p. 299). Jesus não se prende meramente a cumprimentos de leis como regra, mas quer a fidelidade do coração na vivência do amor a Deus e ao seu próximo, assim não haverá desigualdade e violência, mas o amor e a misericórdia entre as pessoas. 

No que se refere a terra, os judeus defendiam que todos tivessem um pedaço dela para moradia e sustento. Mas, como ressalta Colavecchio (2005), não era assim que as coisas aconteciam. Existia uma grande desigualdade predominante de uma antiga herança da aristocracia latifundiária de Herodes o Grande, que ao chegar ao poder no ano 40 a.C. por sua amizade com Cesar Augusto recebeu dos romanos grande parte de terras da Palestina e fez doação aos seus preferidos. Essa herança alcança o tempo de Jesus gerando uma grande desigualdade onde a terra não era para todos, mas para os mais favorecidos.

Dentro do ambiente sociopolítico palestinense também é possível identificar a rejeição dos judeus para com os galileus e samaritanos. Rubio (2005) diz que Jesus não se deixa levar pelo desprezo que os judeus tinham pelos galileus e samaritanos, e aponta para a abertura ao Reino de Deus que rompe qualquer esquema de separação e marginalização; a vivência do Reino substitui o preconceito pela misericórdia. Jesus não ficou em cima do muro, mas, de maneira radical e com profundidade mostra onde está a raiz da podridão social e religiosa existente. A hipocrisia, a corrupção, a mentira de grupos dominantes na sociedade e na religião são denunciados e desmascarados por Jesus (Mt 23,1-36).

Jesus denuncia a “Falsidade, legalismo, ganância, engano, crime organizado, autocomplacência orgulhosa daqueles que se consideram justos, rigorismo escravizante, fanatismo, sectarismo... Jesus põe o dedo na chaga apodrecida do indivíduo e da sociedade” (RUBIO, 2005 p.72). Com essas denúncias Jesus queria mostrar o quanto a entrega ao serviço do Reino de Deus é libertadora, desprende-os das falsas seguranças levando a verdadeira segurança que é a obediência ao Pai em união com a prática do amor, da justiça, da caridade e do serviço.

Esses fatores denunciados por Jesus geram opressão aos mais vulneráveis, por isso desperta um sentimento de revolta naqueles que eram oprimidos e marginalizados, dando origem a grupos revolucionários como por exemplo os zelotas que tentavam se rebelar contra o poder de Roma, embora não tivessem tanto êxito porque eram parados pela força romana. Jesus por se colocar em defesa da dignidade humana chegou a ser entendido como um revolucionário, o Messias anunciado, aquele que viria da descendência de David, e que, com grupos armados, com a força dos homens e de Deus tomaria o poder para o povo judeu. Mas o projeto de Jesus não era esse.

Ao corroborar essa visão, Nolan (1987 p. 141) elenca que “A revolução que Jesus queria realizar era muito mais radical do que qualquer coisa que os zelotas, ou qualquer outro pudesse ter em mente. Todos os aspectos da vida, político, econômica, social e religiosa, eram radicalmente questionados por Jesus e virados de cabeça para baixo.” Podemos exemplificar em passagens dos Evangelhos como na parábola dos trabalhadores da vinha (Mt 20,1-15) e na parábola do pai misericordioso (Lc 15,11-32). 

Na parábola da vinha os trabalhadores suportam o peso e o calor do dia, e reclamam porque os outros ganham o mesmo valor em apenas uma hora de trabalho, tal atitude do patrão parece injusta, e até mesmo antiética, mas não é; o acordado entre o patrão e os trabalhadores era de um denário, pagamento justo para um dia de trabalho, mas o patrão assim como Deus, teve compaixão dos muitos desempregados que encontravam-se na praça, e paga-os com o valor equivalente a um dia de trabalho, valor desproporcional as horas trabalhadas, mas proporcional às suas necessidades e de suas famílias. Aqueles que reclamam não participam da compaixão do patrão, sua justiça assim como a justiça dos zelotas e fariseus não tem amor.

Semelhante a esse acontecimento, na parábola do pai misericordioso o filho mais velho que tinha trabalho fiel durante todos os anos de sua vida com obediência, (igual aos zelotas e fariseus), fica indignado quando ouve dizer que o pai mandou matar um novilho cevado e está organizando uma festa para seu irmão pecador. O filho mais velho não participa da compaixão do pai pelo filho perdido, por isso sente que o pai está sendo injusto.

Essas parábolas demonstram uma tentativa de Jesus em descrever a realidade do Reino de Deus, de mostrar o rosto de um Deus amor e misericórdia que vai além da igualdade, pois essa sempre permitirá desigualdade. O Deus apresentado por Jesus tem seu amor e misericórdia pautada na equidade, pois essa trata cada um conforme sua necessidade. Quem exerce a compaixão conforme descrita por Jesus nas duas parábolas aproxima-se do coração misericordioso de Deus, do contrário estaremos como o filho mais velho e os outros trabalhadores, murmurando contra a misericórdia de Deus. 

Depois de muitos confrontos com as autoridades religiosas, como fariseus e escribas, Jesus vai ao Templo de Jerusalém e naquele episódio que expulsa os vendedores e cambistas, desperta a fúria daqueles que eram responsáveis pelo Templo. A esse sentido, Pagola (2011 p. 446) diz: “Aquilo que precipita a ação contra Jesus é sem dúvida o incidente do templo. Jesus não é detido imediatamente, pois convinha que a operação fosse levada a cabo sem provocar tumulto na multidão, mas o sumo sacerdote não se esqueceu de Jesus.” 


Essa imagem retrata o artigo que apresenta Jesus diante do sistema que o condenou a mote, Ele vai denunciar as hipocrisias, a escravidão espiritual e moral imposta ao povo.
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Processo, condenação Morte de Jesus de Nazaré

Da forma como Jesus assume seu ministério era quase inevitável que ele não viesse a sofrer sérias consequências.  Ele confronta o sistema religioso e político, denuncia as hipocrisias, as opressões, prega o amor, a misericórdia e fala em nome de Deus como Pai. Por isso vai ser condenado pelo Sinédrio. Depois de o condenarem na calada da noite, ao despertar do dia levam-no ao governador para que continuasse o processo que não tinha outro fim se não a morte de Jesus. A sua morte mesmo parecendo tudo acabado dá início a um novo tempo, uma resistência a todas as opressões, as hipocrisias que ele tanto denunciou.

Ao ressaltar a forma como começa o processo de condenação de Jesus, Ratzinger (2016) diz que o procedimento contra Jesus se deu na noite da quinta-feira quando o Sinédrio reunido na casa do sumo sacerdote recebeu Jesus depois de sua prisão no monte da Oliveiras. O Sinédrio era composto pelos seus três componentes, – sacerdotes, anciãos e escribas.

Como ressalta Bravo (1996 p. 166) “Levaram Jesus para o sumo sacerdote. Era noite e nenhum julgamento realizado a essa hora poderia ser válido. Mas já não necessitavam de nenhum julgamento, dada como estava – já há muito tempo – a sentença.” Agora Jesus está frente aos que ele denunciou por opressão e hipocrisia. Jesus é réu perante eles e será julgado, seu destino está nas mãos deles.  Os sumo sacerdotes, os anciãos e escribas, saduceus, os fariseus e outros que tinham sido julgados e desautorizados por Jesus vão condená-lo sem piedade.

Esse processo diante do Sinédrio se dá por um interrogatório profundo que leva em consideração a purificação do Templo, os discursos de Jesus que se fez entender como Messias e novo Rei de Israel. O Sinédrio o questiona, “Se Tu és o Messias, diz-nos! –, Jesus responde com uma afirmação enigmática, não confirmando abertamente, mas também sem negar claramente” (RATZINGER, 2016 p. 166). Diante desse e outros questionamentos, os sumo sacerdotes, os outros ali reunidos, em suas perspectivas configuraram nas respostas de Jesus o caso particular de Blasfêmia e o sumo sacerdote rasga suas vestes. Para Ratzinger (2016) o ato do sumo sacerdote rasgar as próprias vestes não é irritação, mas é a prescrição da lei que o juiz a realiza frente a um ato de blasfêmia.  

O Sumo sacerdote depois de rasgar as suas vestes gritou em voz alta: “por que procuramos outras testemunhas? Vocês mesmos são testemunhas, pois ouviram a blasfêmia. Que condenação merece? E todos gritaram: a morte! Merece a morte e começaram cuspir-lhe, a arrancar-lhe a barba e agredi-lo” (BRAVO, 1996 p. 168). Desse momento em diante começa a tortura de Jesus até sua morte. Alguns dos torturadores cobriam seu rosto e lhe davam bofetada dizendo: adivinha quem te bateu? Saíram levando ele a empurrões e continuaram o agredindo.

Depois de ser condenado pelo Sinédrio como blasfemo, Jesus de Nazaré precisava ser entregue a Roma com denúncias políticas para que o Governador Pôncio Pilatos pudesse condena-lo à morte, pois essa era a vontade do Sinédrio. “As autoridades religiosas judaicas responsáveis pela ortodoxia do culto e pelas leis de pureza, tinham consciência plena da ameaça que significava a liberdade de Jesus e a maneira como coloca o homem acima da lei” (BRAVO, 1996 1996 p. 124). Já haviam tentado desautorizá-lo no Norte da Galileia tentando ligá-lo a Satanás acusando-o de fazer milagres por Belzebu, o chefe dos demônios, no episódio do endemoninhado cego e mudo (M 12,24). Mas nada disso foi o suficiente para evitar a expansão de sua mensagem de amor, paz e misericórdia; é preciso eliminá-lo.

Ao raiar do dia, como expressa Bravo (1996), o Sinédrio se reúne rapidamente apenas para validar o julgamento que eles tinham feito na madrugada, assim mantinham a aparência de um julgamento lícito. Acabaram imediatamente com aquilo e amarrando Jesus levaram para entregar a Pôncio Pilatos. E assim o Mestre de Nazaré é entregue sob a acusação de subversivo, agitador do povo contra Roma, contrário aos impostos e ainda por se declarar Rei dos judeus. Isso colocava Jesus em confronto direto com o reinado de Tibério César.

Pilatos era um político duro, mais militar que governante, ele já havia demonstrado desprezo pela fé judia, mandou colocar a noite os estandartes romanos com a imagem do imperador em Jerusalém, não pensou duas vezes ao mandar o exército contra o povo que tinha ido a Cesaréia para protestar contra aquele ato que violava a lei, e ainda cunhou a moeda romana vigente com a imagem e a inscrição de Tibério César. 

Além dessas, Bravo (1996) ressalta que outras atitudes de Pilatos levaram pessoas à morte, como no episódio em que ele “emprega o dinheiro do Templo – que era entregue como Corbã [...] – para a construção de um aqueduto” (BRAVO, 1996 p. 170).  Diante da confusão que isso gerou, ele enviou soldados vestidos de judeus que se misturaram no meio do povo e com sinais combinados entre eles golpeavam as pessoas, e muitos morreram nesse acontecimento. Em outro momento matou alguns galileus misturando seu sangue com o dos sacrifícios.

Por esse motivo os judeus não podiam apresentar Jesus a Pilatos por motivos religiosos pois isso pouco lhe interessava, “Deveriam apresentar-lhe condenação de caráter político. E lhe disseram: Este homem tem levantado o povo com anúncio de um suposto reinado de Deus que estaria por vir; mas o que procura na verdade é unir o povo para expulsar os romanos” (BRAVO 1996 p. 171). Eles vão dizer ainda que diante deles Jesus confessou suas pretensões de ser o Messias, que era o que o povo esperava para se organizar contra Roma.

O governo de Pilatos não havia sido um dos mais tranquilos ou de paz, mas de muita violência, não se apresentava como um cumpridor fiel da justiça, sobretudo quando se tratava dos judeus, mesmo sendo seus aliados não perdia qualquer oportunidade para fazer sentir a sua força aos chefes judeus punindo-os pelo que lhe haviam causado frente ao imperador Tibério César. Ele também sabia do episódio do templo e a maneira que Jesus desmascarara as autoridades e só por isso resolveu investigar um pouco a mais. 

Mandou que trouxessem Jesus e lhe perguntou se era o Rei dos judeus. “Jesus lhe respondeu com uma frase equivalente a uma negação. 'Você diz, não eu.” E assim entendeu Pilatos; porque se tivesse visto como uma afirmação, exigiria pena de morte” (BRAVO 1996 p. 171). Os sumo sacerdotes continuavam a acusar Jesus. Pilatos o interrogou, mas ele não o respondeu. Apesar de ser duro, Pilatos sentiu que Jesus era diferente de muitos que já havia interrogado. Suas respostas não eram imprudentes como as de outros, mas de uma liberdade profunda que lhe deixava intrigado e achando estranho.

Para Bravo (1996), Pilatos parece perceber que Jesus não oferecia perigo a temer, e querendo uma solução mais fácil para resolver aquele problema e ainda frustrar os sumo sacerdotes e escribas, colocou aquilo que era costume na Páscoa, libertar um preso, a quem o povo escolhesse. Pilatos convoca o povo para julgar com ele e escolher Jesus ou Barrabás. Pilatos talvez até pensou que o povo preferiria o Nazareno, pois haviam muitos peregrinos em Jerusalém entre eles os galileus que deveriam escolher a Jesus, a que ele preferira.

Então Pilatos pergunta ao povo se ele soltava Jesus ou Barrabás, mas os chefes dos judeus estavam decididos a pressionar pela morte de Jesus, por isso “começaram a sugerir às pessoas de Jerusalém que pedissem a liberdade de Barrabás” (BRAVO 1996 p. 173). Nisso eles contaram com o apoio de grupos de rebeldes que precisavam de homens com o perfil revolucionário de Barrabás e não de alguém como Jesus que parecia mais um místico sonhador. 

Aos gritos de crucifica-o, crucifica-o, a maioria das pessoas foram interrompendo o protesto dos galileus e a voz de Pilatos que ainda perguntava que mal aquele homem havia feito. Diante da multidão que gritava, Pilatos não podia se opor, então lavou as mãos diante do povo, mandou soltar Barrabás e depois de açoitar Jesus entregou-o aos soldados para ser crucificado.

Levaram Jesus para o pátio no interior da Torre Antônia, e lá segundo Bravo (1996), vestiram ele com uma túnica de púrpura de cor Vermelha e suja, fizeram uma coroa de arbustos espinhosos e colocaram em sua cabeça e caçoavam dele sinalizando sobre seu reinado, viva para sempre o rei dos judeus. Colocavam ainda um pedaço de cana em sua mão e tiravam como se fosse um cetro de brincadeira.

Levaram Jesus da Torre Antônia pelo caminho que rodeava a muralha. O Gólgota não ficava a mais de um quilômetro, mas eles levaram Jesus pelas principais ruas como demonstração de sua condenação e para servir de exemplo. Nesse percurso Jesus encontra Simão o Cirineu, Verônica, sua Mãe e as mulheres que choravam. Esse foi um caminho de dor, carregando em suas costas o peso da ganância, da indiferença, da opressão, da hipocrisia, da autossuficiência e tantos outros pecados; os nossos pecados. 

Como descreve Bravo (1996 p. 177), “Eram nove horas da manhã quando o crucificaram. Acima da cruz estava um letreiro com a causa de sua condenação: ‘O rei dos judeus’”. E para dar mais força à condenação, adiantaram a morte de dois ladrões e o crucificaram no meio deles para ressaltar a periculosidade de Jesus, como chefe de subversivos. Na cruz Jesus foi humilhado, insultado, maltratado, zombado, desafiado e tantos outros insultos e agressões que ele sofreu.

Jesus chegou no seu limite de onde não poderia mais retornar, lançou então um forte grito e morreu. Aquele grito como Bravo (1996) ressalta, ressoou no coração de todos aqueles que o seguiam.  Nesse momento os chefes dos judeus pensavam triunfar, tirando a vida de Jesus, e acabando a esperança de seus seguidores, tirando qualquer possibilidade de sua causa prosseguir. No Templo aconteceu algo parecido, “o enorme véu de pele de camelo, que isolava Deus no interior do santuário (santos dos santos), rasgou-se de cima a baixo. Deus abandona o Santuário; não pode continuar no centro daquele sistema que excluía e matava seu Filho, era ameaçado de morte” (BRAVO, 1996 p. 179-180). Assim a morte de Jesus é um triunfo deixando à mostra a maldade dos piedosos que davam mais importância às leis do que aos homens, e que para defender supostamente os direitos de Deus, violam o direito dos homens.  


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Um novo horizonte de esperanças

A morte de Jesus se dá no grande abandono: O pai faz silêncio; lá não estão seus discípulos; apenas olhavam de longe pois não podiam ultrapassar a barreira de soldados romanos; algumas mulheres que o acompanharam na Galileia cuidando de seus bens e seu trabalho, que haviam subido a Jerusalém, “Maria de Magdala, outra Maria, a mãe de Tiago o menor e de José e Salomé” (BRAVO, 1996 p. 179-180) estavam ali presente.

Nessa cena entra José de Arimatéia membro do Sinédrio. Ele tinha um certo apreço por Jesus e gostava de ouvi-lo falar sobre o Reino, o que tinha se fortalecido em seu coração. Mesmo não sendo um de seus discípulos foi até Pilatos e pediu para tirar o corpo de Jesus e sepultá-lo, Pilatos consentiu que José levasse o corpo de Jesus para ser sepultado. José havia comprado um lençol mortuário e envolveu-o com o manto e colocou numa tumba onde ninguém havia sido sepultado.

Ao amanhecer era o Shabat de Páscoa, segundo Mien (1998), as mulheres queriam ungir o corpo de Jesus, mas ainda tinham que comprar os preparos para fazer a mistura da unção, por isso tiveram que deixar para o dia seguinte pela manhã. No dia tão esperado, as mulheres chegaram ao lugar onde se tinham sepultado o Senhor, jamais lhe passara pela cabeça que a pedra que fechava o túmulo era muito pesada e elas não podiam movê-la, mas a vontade de prestar a última homenagem a seu Mestre era tão grande que elas só queriam ir ao local.

Ao chegarem no local e verem o túmulo vazio se encheram de espanto, será que nem depois de morto seus inimigos o deixariam descansar? Depois de um tempo foram até os discípulos avisar sobre o triste acontecimento. Os discípulos deixaram o esconderijo e correram até lá, e se certificaram de que o corpo não estava lá. Mas quem poderia ter violado a lei e profanado um túmulo, um lugar de descanso eterno? Depois de um tempo, “Maria Madalena mergulhada em seu sofrimento, sequer nota que as outras mulheres se haviam afastado. Teimando em não acreditar naquela desgraça, aproximou-se da entrada da gruta e viu lá dentro dois desconhecidos vestidos de branco” (MAIEN, 1998 p. 286). E então eles perguntam simultaneamente: mulher por que você chora? – porque tiraram o corpo do meu Senhor e não sei onde o colocaram.

Maria!! soou aquela voz tão branda em seu coração; nesse mesmo instante ela vibrou em seu ser, tudo voltou a fazer sentido, não havia mais dúvidas, era Ele! Meu Mestre exclamou inclinando-o a seus pés. “– Não me retenhas – disse-lhes Jesus – pois eu ainda não subi para o pai, mas vai ter com meus irmãos e dize-lhes o seguinte: <<Subo para meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus que é o vosso Deus>>” (MAIEN, 1998 p. 287). E com muita alegria Maria Madalena foi correndo contar aos onze discípulos onde eles estavam escondidos; era grande a alegria de seu encontro com o Ressuscitado, e queria transmitir-lhes a mensagem que dele recebera.

Considerações finais

A morte de Jesus de Nazaré não deve ser entendida apenas como um evento isolado, mas sim como um marco que confrontou as instituições políticas e religiosas de sua época. Ao expor as hipocrisias e o serviço resultante desses sistemas, Ele criou um legado forte que ainda inspira os indivíduos em busca de justiça, equidade e luta pela dignidade humana até os tempos atuais. Seu papel como Filho de Deus ecoa em cada coração que busca a verdade e a liberdade, que fortalece seu espírito no Espírito do Mestre Jesus que os deu como defensor, reafirmando que a luta pela dignidade humana é, de fato, uma questão divina. 



Sebastião Caldas


REFERÊNCIAS:

BRAVO, Carlos. Galiléia Ano 30: Para Ler o Evangelho de Marcos. Tradução de Roberto Tápia Vidal. São Paulo: Paulinas, 1996.

COLAVECCHIO, Ronaldo L. O CAMINHO DO FILHO DE DEUS: Contemplando Jesus no Evangelho de Marcos. São Paulo: Paulinas, 2005.

LARRAÑAGA, Ignácio. O POBRE DE NAZARÉ. Tradução de José Carlos Corrêa Pedroso. São Paulo: Edições Loyola, 1990.

MIEN, Aleksandr. JESUS, MESTRE DE NAZARÉ: A história que desafiou 2.000 anos. Tradução de Irami B. Silva. Vargem Grande Paulista, SP: Editora Cidade Nova, 1998. 

NOLAN, Alberto. JESUS:  Antes do Cristianismo. Tradução do Grupo de Tradução São Domingo. 1.ed. São Paulo: Paulus, 1987. 10ª reimpressão, 2023.

PAGOLA, José Antonio. JESUS: Aproximação Histórica. Tradução de Gentil Titton. 3.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

RUBIO, Afonso Garcia. O ENCONTRO COM O CRISTO VIVO: Um Ensaio de Cristologia para os Nossos Dias. 10. ed. São Paulo: Paulinas, 2005.

RATZINGER, Joseph (BENTO XVI). JESUS ​​DE NAZARÉ: Da Entrada de Jerusalém até a Ressurreição. Tradução de Bruno Bastos Lins. 2. ed. São Paulo: Planeta, 2016.

ZAHRNT, Heinz. JESUS ​​DE NAZARÉ: Uma vida. Tradução de Carlos Alberto Pavanelli. Petrópolis: Vozes, 1992.


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